Assisti, outro dia, pelas redes sociais, a um vídeo sobre a invasão do Congresso Nacional, ocorrida em 24 de maio de 2017, por elementos do PT e do MST, com destruição de dependências do Parlamento e incêndios provocados na entrada. Naquele dia, estava em uma audiência com o Ministro Celso de Mello no STF e tomamos conhecimento do que ocorria pelo rádio, em seu gabinete, assim como da decretação do estado de emergência pelo presidente Temer, devido à gravidade do atentado e à determinação para que o Exército tomasse as medidas necessárias para encerrar o episódio com a desocupação do Legislativo.
Apesar da gravidade do atentado contra os Poderes, nenhum dos invasores, depredadores e agressores de funcionários sofreu um processo judicial.
No ano passado, em sessão da Academia Paulista de Letras Jurídicas, o acadêmico e ex-presidente da República, Professor Doutor Michel Temer, em conferência, esclareceu que não puniu aqueles baderneiros porque decidiu seguir o exemplo do ex-presidente Juscelino Kubitschek, que anistiara os revoltosos de Aragarças e Jacareacanga que, com armas, tentaram um golpe de Estado em seu governo.
Comparando os atos de 2017 com os de 8 de janeiro de 2023, neste último houve um número maior de pessoas, mas não agressões a funcionários públicos, embora também tenham ocorrido depredações, que se estenderam ao Executivo e Legislativo. Entretanto, não houve necessidade de decretação do estado de emergência, sendo que, com um contingente não expressivo de militares, o presidente Lula encerrou a baderna, prendendo 1.700 manifestantes desarmados, sem necessidade de disparar um tiro sequer.
Sendo assim, verificando os vídeos nas redes sociais das duas manifestações condenáveis, a única diferença foi a maior extensão daquela de 2023 e o fato de haver feridos na de 2017, no governo Temer. As destruições, entretanto, de prédios públicos foram semelhantes.
Há duas semanas, um cidadão suicidou-se diante do Supremo Tribunal Federal, com evidente perturbação mental, tendo sido descoberto, por mensagens, que ele queria matar o ministro Alexandre de Moraes.
Em 2018, outro cidadão esfaqueou o então candidato Bolsonaro durante a campanha, em um fato semelhante ao tiro disparado contra Trump neste ano, nos Estados Unidos.
Os dois fatos são muito parecidos, assim como as duas manifestações baderneiras de destruição de prédios públicos.
Ocorre, todavia, que a imprensa e os políticos de esquerda entenderam que as badernas ocorridas no governo Temer não foram tentativa de golpe nem atentado violento ao Estado de Direito, mas as de 8 de janeiro foram. Da mesma forma, o esfaqueamento do ex-presidente Bolsonaro foi considerado um ato isolado, enquanto o suicídio de quem queria atentar contra o ministro Alexandre de Moraes foi interpretado como um ato vinculado a um grupo que pretendia um golpe e um atentado ao Estado Democrático de Direito, sem nenhuma prova nesse sentido.
Confesso ser cada vez mais difícil interpretar o nosso Direito, tendo a nítida impressão de que o Brasil possui duas espécies de hermenêutica jurídica, em que fatos e circunstâncias semelhantes devem ser punidos quando praticados por conservadores e desconsiderados quando praticados por militantes da esquerda.
Pergunto-me, parafraseando o poeta: “Mudou o Brasil ou mudei eu?”
Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região; professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martín de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS; catedrático da Universidade do Minho (Portugal); presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP; ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).